I Jornada De Corruptione (2020)

Dia 19 de novembro, quinta-feira, 15h-18h

Comunicação 1:
Restabelecendo a justiça: visões sobre o assassinato da regente goda Amalasunta no século VI.

Renato Viana Boy
Prof. de História Antiga e Medieval da Universidade Federal da Fronteira Sul

As disputas pelo poder na Itália, nas décadas subsequentes à deposição do imperador Rômulo Augusto, envolveram não apenas conflitos entre populações ocidentais, mas também uma rede de alianças políticas e militares destes com o governo romano em Constantinopla. Neste trabalho, propomos analisar um momento específico: o assassinato da regente goda Amalasunta, em 535. O objetivo é provocar uma reflexão sobre como esse assassinato, levado à cabo por indivíduos também godos, foi interpretado em Bizâncio como uma tentativa de tomada injusta e ilegítima do poder na Itália, utilizando-se, para isto, da violência para a subversão de um espaço normativo interno e de negociações e diplomacia com um governo estrangeiro. Trabalharemos aqui com as narrativas construídas pelos historiadores Jordanes e Procópio de Cesareia, além do cronista Malalas.

Comunicação 2:
"Que o homem não seja para o homem aquilo que as bestas selvagens são para os outros animais": As denúncias de corrupção nos tribunais carolíngios a partir do Contra Iudices de Teodulfo de Orleães (Gália, final do século VIII).

Thiago Ribeiro (Pós-Doutorado - FAPESP/USP)

Por volta de 798 E.C., Teodulfo, bispo de Orleães e próximo de Carlos Magno, foi enviado pelo rei carolíngio ao sul da Gália com uma missão: atuar como voz e ouvidos da corte nos tribunais. Dessa experiência resultou o Contra Iudices, um longo poema composto por Teodulfo pouco após, no qual este narra as vicissitudes da atuação dos juízes em promover a justiça. Mais do que um apelo moral à correta conduta nos tribunais, o escrito do bispo de Orleães é um verdadeiro testemunho das práticas envolvidas nos julgamentos, entre elas a venalidade das sentenças. Neste sentido, nossa apresentação se propõe a i) mapear as práticas consideradas corruptas denunciadas por Teodulfo, levando em consideração também os sujeitos envolvidos, uma vez que se tratam de corruptores e corrompidos; ii) levantar o vocabulário empregado para descrever esta corrupção; e iii) tendo em mente questões de autoria, gênero documental e público-alvo, levantar hipóteses dos motivos que levaram Teodulfo a redigir seu poema-denúncia naquele momento. Parece-nos que somente a associação dos valores cristãos à ação dos agentes públicos, como apontada por parte da historiografia acerca da atuação dos governantes carolíngios, é insuficiente para descrever estes processos judiciais e seu contexto como um todo.

Comunicação 3:
Fome e “economia imoral” à época carolíngia (765-850)

Marcelo Cândido da Silva (Universidade de São Paulo)

Em seu livro “La nature et le roi”, Jean-Pierre Devroey afirma que os capitulares carolíngios, ao examinarem as diferentes provações enviadas por Deus, colocavam em um mesmo plano a fome, os desastres de todo tipo, as epidemias e as perturbações atmosféricas, fazendo da fome não a consequência de um evento natural, mas um evento natural em si. Nesta exposição, pretendo explorar um caminho distinto. Acredito que a análise do vocabulário da fome nos textos legislativos e narrativos do período carolíngio pode oferecer uma visão mais ampla acerca do seu quadro explicativo. Sobretudo, a estreita associação entre fome e comportamentos que se contrapõem à justiça das trocas mercantis, que se observa sobretudo nos capitulares da época de Carlos Magno, parece indicar um caminho de investigação frutífero sobre os significados políticos da fome.

Comunicação 4:
O rei como fonte de injustiça: Lupo de Ferrières e Carlos, o Calvo

Victor Sobreira (Pós-Doutorado - USP)

Para o período carolíngio, as informações sobre a ação real são numerosas nos capitulários, nos anais reais e nas vidas escritas sobre esses monarcas, como no caso de Carlos Magno e Luís, o piedoso. Contudo, poucos são os registros que esmiuçam a relação desses monarcas com outros atores do período como nas cartas do abade Lupo de Ferrières. Essa coleção epistolar conta com nove cartas direcionadas diretamente ao rei na qual Lupo trava uma batalha contra as ações do próprio Carlos, o calvo e permite investigar uma situação no qual o próprio monarca é acusado de agir contra os bens monásticos, em desacordo com a iustitia.

Comunicação 5:
Hincmar e os desvios de conduta do clero

Isabela Alves (Mestrado - FAPESP/USP)

Esta comunicação tem por objetivo analisar relatos de má conduta eclesiástica nos Anais de Saint- Bertin. Entre 861-882, o autor dessa obra foi o arcebispo Hincmar de Reims, figura política de destaque no reinado de Carlos, o Calvo (843-877). Os Anais foram uma obra voltada a narrar os principais eventos políticos do reinado, e sua expectativa de audiência incluía membros das elites seculares e eclesiásticas do reino, além do próprio rei. Hincmar abordou no texto alguns casos de conflito envolvendo ele próprio, seus bispos sufragâneos e papas. Esta apresentação visa explorar as estratégias narrativas empregadas pelo autor nos Anais ao acusar membros do clero de abuso da autoridade episcopal. O relato dessas acusações será analisado em relação às preocupações e interesses de Hincmar enquanto arcebispo metropolitano, bem como ao público-alvo esperado para o documento.

Comunicação 6:
Como se fabrica uma acusação de simonia? Retórica reformadora e estratégias políticas papais entre 1045 e 1085

Leandro Rust (PEM- UnB)

Simonia. Palavra de aplicações precisas, definição canônica objetiva, nome de significados concisos, assim asseguram as perspectivas historiográficas dominantes sobre as reformas religiosas do século XI. Sobretudo, quando se trata do poder papal. A ascensão da coligação de eclesiásticos conhecidos como “gregorianos” segue, atualmente, narrada como a escalada de uma luta revolucionária contra a corrupção clerical, à época profundamente entranhada no tecido social em razão de hábitos e lógicas feudais – assim se acredita. Corrupção que se apresentava, fundamentalmente, como simonia, isto é, a prática de barganhar um bem espiritual através de dinheiro ou favores. Entre as décadas de 1040 e 1080, os chamados gregorianos colonizaram o cotidiano e, principalmente, a memória vinculados à Sé Romana com acusações de simonia. Acusações que, por seu turno, eram hasteadas como tema central de sínodos e concílios, epístolas e opúsculos, missões legatinas e viagens papais. O propósito dessa comunicação consiste em problematizar a centralidade da noção de simonia na retória reformadora romana, explorando as dissonâncias normativas, variações de conteúdo e contradições práticas envolvendo tais casos. Isto será feito no encalço da seguinte hipótese de trabalho: a simonia pode ter sido um signo de autenticação de estratégias políticas diversas e provisórias, não, necessariamente, uma tipologia normativa que, fixada pela tradição, era aplicada a partir de uma correspondência objetiva entre ato e conceito.

Dia 20 de novembro, sexta-feira, 15h-18h

Comunicação 1:
As transgressões na Cavalaria sobre o ideário cavaleiresco presentes nas obras de Chrétien de Troyes

Wesley Bruno Andretta
(Graduando em História e bolsista de Iniciação Científica da Universidade Federal da Fronteira Sul)

Um dos maiores nomes da literatura francesa do século XII, Chrétien de Troyes, escreveu pelo menos cinco novelas de cavalaria, Erec e Enide (1162), Cliges, ou a que fingiu de morta (1164), Lancelot, O Cavaleiro da Carreta (1168), Yvain, O Cavaleiro do Leão (1173) e Perceval ou o Romance do Graal (1185). Em cada uma delas o autor discute sobre questões morais que dizem respeito a Cavalaria. Essa literatura propõe um ideário cavaleiresco que, mesmo distante da realidade, formula ou retrata uma série de regras e comportamentos para os Cavaleiros. Juntamente a essa representação das normas o poeta apresenta as transgressões, comportamentos que fogem às regras, e suas consequências desagradáveis, não somente para o cavaleiro, mas para todos aqueles que tem contato com a Cavalaria. Deste modo, buscaremos pensar essas transgressões como formas de corrupção dos cavaleiros para com a Cavalaria.

Comunicação 2:
“Que não levem nem migalha”: a corrupção como objeto de estudo nas leis régias (Portugal, século XIII)

Maria Filomena Coelho (PEM-UnB)

Nesta comunicação se pretende explorar alguns problemas em torno do conceito de corrupção, com base nas Leis de 1211, do reinado de Afonso II. Trata-se de 22 títulos e um preâmbulo cujos conteúdos permitem observar algumas descrições/acusações de situações definidas pela voz do monarca como desvios de conduta de oficiais régios no trato da “coisa pública”. Porém, tanto as situações claramente classificadas à época sob essa denominação quanto aquelas que, hoje em dia, configurariam corrupção - apesar de não serem adjetivadas como tal - podem adquirir significados mais complexos se analisadas do ponto de vista político.

Comunicação 3:
O rei como fonte de justiça em Portugal no final da Idade Média (1357-1367)

Rudyard Vera
(Iniciação Científica - FAPESP/USP)

Esta apresentação tem por objetivo expor as possibilidades de análise da “Crônica de D. Pedro I”, de Fernão Lopes, a partir do problema da corrupção. Realizaremos um levantamento prévio do campo semântico, de forma a identificar os termos utilizados por Fernão Lopes para identificar os comportamentos contrários à lei e à justiça. Nos deteremos no capítulo V, intitulado “De algumas cousas que el-rei Dom Pedro ordenou por bem de justiça e prol de seu povo”, que menciona a punição do desembargador Gonçalo das Decretaes, acusado de aceitar suborno de uma das partes em um julgamento.

Comunicação 4:
A corrupção da virtude: Fernão Lopes e o caso da cidade de Carmona (Portugal, séc. XV)

Breno Mendes (PEM-UnB)

Esta comunicação tem como objetivo apresentar a minha pesquisa sobre a ideia de corrupção nas crônicas de Fernão Lopes. Com base em um dos capítulos da crônica no qual um cavaleiro solicita ao monarca português D. Fernando ajuda na defesa da cidade de Carmona contra o rei castelhano D. Enrique II, apresentarei os primeiros passos de minha pesquisa tanto num plano teórico quanto metodológico. Assim, por meio da interpretação dos discursos construídos dentro da narrativa, é possível perceber como é construído um conceito de corrupção fundamentado em modelos sociais elaborados em torno de virtudes e na subsequente corrosão desses modelos.

Comunicação 5:
“Grandes e secretas mercês”: como problema de “corrupção” (Portugal, séc. XV)

Pablo Ytalo Felix Meneses (PEM-UnB)

A comunicação abordará a questão da corrupção na Idade Média a partir da crônica “Vidas e feitos d’el-rey Dom João Segundo”, de Garcia de Resende (séc. XV). A princípio, o foco da análise será destinado a dois casos selecionados que contêm a principal problemática a ser desenvolvida: a concessão do monarca de “grandes e secretas” mercês para alguns senhores castelhanos, com o intuito de obter “muitos avisos necessários” ao bem-comum de seu reino. Por meio de uma perspectiva atual, ambas as situações seriam compreendidas como práticas de suborno. Entretanto, não há um tipo de denúncia ou condenação em relação a esses atos na fonte – que se mostra mais focada em destacar as virtudes e feitos do rei lusitano. Por isso, faz-se necessário analisar a conjuntura da sociedade medieval, pautada pela lógica do serviço e benefício, e entender a função da mercê naquele contexto, a fim de fomentar questionamentos que auxiliem na construção de um quadro conceitual preliminar sobre a corrupção durante o período abarcado pelo documento principal. Afinal, a “mercê secreta” representa ou não a corrosão de um modelo?

Comunicação 6:
O presente no passado: a corrupção no jogo
Kingdom Come Deliverance

Diego Neivor Perondi Meotti
(Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Fronteira Sul - campus Chapecó)

O jogo eletrônico Kingdom Come Deliverance, lançado em 2018, foi apresentado pelos seus desenvolvedores como aquele que melhor representaria o passado nos últimos vinte anos. A proposta seria conduzir seus jogadores para uma narrativa histórica da Boêmia do século XIV, em meio a uma guerra civil. Acreditamos que os jogos, assim como outras produções culturais, trazem consigo percepções que dizem respeito mais ao campo de intenções econômicos, ideológicos e culturais do tempo presente do que em relação ao passado representado. A partir disso, buscaremos observar como a noção de corrupção presente no jogo, pode ser pensado enquanto uma concepção contemporânea lançada para uma representação específica de um passado medieval.